"para o António todas as mulheres eram belas, todas as extravagâncias lhe mereciam um sonoro, mas bem-humorado, “ó valha-me Deus”"
esta frase é deste artigo, onde luís guerra fala da morte de antónio pires.
não conheço luís guerra, mas conheci, breve e intensamente, o antónio pires.
estávamos nos bons sons, mais precisamente na esplanada do aliquete, antes e durante o sound-check d' a garota não, razão pela qual metemos conversa.
tomámos café e conversámos. sobre muitos assuntos, mas principalmente sobre música. música e mulheres. na música. e fora dela.
os seus tempos no blitz correspondem quase exactamente aos meus anos de leitor assíduo do blitz.
falámos tanto que reconheci imediatamente o retrato contido na frase inicial.
a conversa só foi interrompida quando eu fui falar com a cátia, após lhe ter confidenciado os motivos. não era (só) uma coisa de fã...
voltei para a "nossa" esplanada, continuámos a conversar, bebemos. bebemos muito, comemos, continuámos a conversar... ficámos amigos no facebook (é só gajas, disse ele, não ligues...).
por altura do espectáculo tínhamos um grupo ao nosso redor. malta mais nova que ouvia histórias (mais as dele, claro) sobre o bairro alto ou o johnny guitar.
ouvimos, entre outras, esta canção, mas é nesta canção que reparo que ele chorava. chorava abertamente, comoção hipervisível.
um homem jovem abraçou-o. ambos sorriram. deveria ter sido eu, mas não pude: tinha cedido a minha cadeira à mulher do homem, também ela jovem, só que baixinha. ela estava de pé na cadeira e eu estava a segurá-la...
deveria ter sido eu.
agora é tarde.
lembro-me tão bem disto.
não é preciso que a morte nos recorde que "o tempo passa tipo míssil". nós, eu e ele, em igual medida, estávamos per-fei-ta-men-te conscientes disso naquele dia.