2007/08/31

when you think of love

havia mais de dois meses que usava uma velha vela de ignição danificada como chumbada. tinha gosto nisso. podia associar duas ideias que lhe eram gratas, a reciclagem e a possibilidade de de reflexão que a pesca lhe proporcionava.
enquanto colocava uma tira de haxixe-rosa no anzol pensava em T. apaixonara-se por ela no exacto momento em que o vento definiu os contornos do seu corpo na fina túnica que ela usava para matar a cal.
com um impuls do corpo inteiro, os seus braços impulsionaram a cana, atirando a chumbada new-age, o anzol com o engodo e o bilhete premiado de lotaria felizmente para além das águas gelatinosas da baía. o alvo, a cabina telefónica junto ao matadouro, foi atingido com perícia.
as suas dúvidas quanto à reciprocidade dos sentimentos de T encontraram eco no olhar meio-vago que o maioral das éguas voltou para o farol de esferovite.
T nunca falara. T nunca falava. T sabia o valor das palavras e ele compreendia-a.
foi, por isso, com um sentimento de quase náusea que ouvira, pela primeira vez e filtrada pelo telemóvel, a voz de T, pedindo-lhe que regressasse a casa a fim de lhe aliviar o garrote.
quando pressionou o botão de ligação do motor do carreto já tinha tomado uma decisão: iria acabar tudo.
num gesto brusco, atirou todo o material da pesca ao mar, até o saco do aspirador novo que comprara dias antes.
dirigindo-se à fada-do-porto disse "já está".
partiu.

1 comentário:

Chefe Maria Caldeira De Sousa disse...

(...Bom regresso!)

-Vou esperar pelo 2ºacto, estou curiosa!