reparei na matrícula: califórnia.
era uma carrinha branca, fechada. se fosse portuguesa teria, eventualmente, umas cortinas nos vidros de trás. mas ainda bem que nao tinha.
eu conduzia devagar: tinha ouvido na rádio que havia um acidente em port mann, mesmo antes da ponte, envolvendo um automóvel e um motociclo, de que resultou, pelo menos, uma vítima mortal.
primeiro só vi a rapariga que, tendo-se levantado do seu lugar ao lado do condutor, procurava qualquer coisa numa mochila de couro, no banco de trás. tinha o cabelo encaracolado e estava bronzeada. reparei que tinha uma tatuagem numa omoplata, preta e vermelha. pareceu-me particularmente animada. ria. enquanto o seu riso lhe iluminava o rosto o seu olhar cruzou-se com o meu. nao tenho a certeza de que me tenha sorrido. entretanto, deslocou-se para o seu lugar, colocando o conteúdo da busca na mochila na mao direita do também mas menos jovem condutor, também ele bronzeado, com um chapéu de abas pequenas viradas para cima e uma pera tingida de um louro muito claro. tambem ele ria.
instantaneamente (julgar as pessoas pela sua aparencia tem esta vantagem) classifiquei-os como um casal de amantes, independentemente do estatuto legal da relacao, claro está e como "pessoal boa-onda".
fomos algum tempo lado a lado. ocasionalmente eu olhava para eles, divertido com a imagem de duas pessoas apaixonadas que viajam para norte para fugir ao calor de s. francisco, por exemplo. lembrei-me que era aquele o dia da pride parade (durante muito tempo achei que nao havia nenhum motivo para que a comunidade gay tivesse orgulho da sua orientacao sexual. eu nao tenho da minha. hoje já lhe acho mais jeito. afinal de contas, eles tem a vida mais dificultada e ainda se conseguem divertir. isso justifica algum orgulho, penso eu). mas eles vinham de leste. se o seu destinho fosse a parada, terao feito um desvio, seguramente.
olhei para eles e foi entao que me dei conta da razao da movimentacao da rapariga: o homem encontrava-se a abrir, rodando a tampa, um frasquinho de vidro. quando a tampa se soltou completamente tinha unida a si um tubo de conta-gotas.
nao pode ser... - pensei - essencias florais...
diverti-me enquanto assiti á contagem das gotas para a língua dele. 1, 2, 3, 4.
eles repararam no meu ar sorridente enquanto os olhava e sorriram também. cumprimentei-os levantando a mao e, tendo-a fechado, levantando o polegar. ele retribuiu o gesto enquanto ela apenas sorria.
logo em seguida viraram para a saída da 126. aí, ela levantou-se e acenou-me.
eu continuei para o centro da cidade.
a traducao de heterossexual por straight é, no mínimo, empobrecedora. no máximo é fascista.
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