2009/03/04

mind-body session

e ele, perdido há semanas num deserto de vento, encontrava algum conforto nas palavras
"Feliz aquele que administra sabiamente
a tristeza e aprende a reparti-la pelos dias
Podem passar os meses e os anos nunca lhe faltará..."(*)
não era tristeza que sentia.
como também não foi esperança quando a caravana, naquele momento apenas pontos confusos no horizonte, se tornou nítida, distinta, real. agitaria os braços vigorosamente, se o pudesse ter feito. mas tudo estava bem... a caravana dirigia-se na sua direcção. não se permitiu a ansiedade de um eventual socorro, um auxílio que os deuses lhe teriam concedido por capricho ou pura piedade.
subitamente, mas sem sobressalto para ele, os vultos que se moviam ondulantemente na frente da caravana começaram a desaparecer sob a areia. estavam como que a ser engolidos, tragados, pelo chão do caminho que deveriam percorrer... fechou os olhos como se a areia trazida pelo vento fortíssimo o ferisse para além do suportável. pensou, "é real, mas não é para mim..."
quando abriu os olhos viu, claramente, um vulto que continuava a dirigir-se na sua direcção. "uma mulher, a pé. só uma mulher"
era, de facto, uma mulher. as extremidades do tecido amplo com que se cobria volteavam em fúria em redor do seu corpo, mas deslocava-se sem esforço aparente. podia dizer-se até que se movia com uma graciosidade impensável naquelas condições.
quando a mulher se aproximou a um ponto em que se lhe podia ver os pormenores das feições, ele viu que tinha o rosto coberto, revelando apenas os olhos.
o último pensamento de que se recorda foi o de que "estes olhos não são de uma mortal"...
perdeu os sentidos.

quando voltou a si o vento tinha desaparecido. parecia-lhe estar no mesmo local, mas toda a natureza da situação se encontrava alterada. aquilo que antes (ontem? anteontem?) fora o manto da mulher encontrava-se amarrado a umas estacas dispostas de modo a proporcionar-lhe uma sombra. o horizonte era infinito em todas as direcções. continuava perdido, mas agora parecia-lhe que tudo, a "solução", estava ao alcance, fosse qual fosse a direcção para que se dirigisse. havia futuro, agora.
a seu lado, colocados ali por deposição, estavam alguns recipientes de material nunca antes por ele visto. sobre eles, um bilhete: pour le corps et pour l'esprit... tinha à sua disposição chá de menta, couscous e livros. reparou noutro recipiente mais pequeno mas com direito a bilhete próprio pour l'XS... tinha um sistema complexo de fechaduras que impossibilitava a sua abertura, aliado a um peso surpreendente.

este recipiente ainda hoje se encontra nesse exacto local. ocasionalmente, como hoje, em que bebe mojitos em frente ao atlântico, ele ainda pensa nisso.

(*) - a mão no arado, ruy belo

2 comentários:

Carmen disse...

eu ainda hesitei... só quero dizer que tenho muito orgulho de ser TUA AFILHADA... assim do género, ser qualquer coisa tua :)

escrever é 'defícil' e tu és bom nisso!

beijo

Anónimo disse...

♥️🦋