2009/09/25

ainda existe o incógnito?



ele passava muitas vezes a noite sozinho, no bar ou no piso superior... observava tudo, via, ouvia, absorvia tudo. até que o absinto a que a luz negra do local dava uma tonalidade peculiar começava a a produzir os seus efeitos e tudo era como que envolvido por uma espécie de neblina clarificante, inversora dos efeitos de doppler e de gauss ao mesmo tempo. e ele permanecia sozinho, tudo vendo muito mais e melhor.
de vez em quando ela aparecia, com os seus caracóis meio ruivos e o seu ar sério que parecia sorrir. e ela via-o ao mesmo tempo que ele a via. ela bebia vinho tinto. sempre. ela circulava pelo bar, pela cave-de-dança... parecia sentir-se no seu elemento. e via-o a vê-la.
no único dia em que ele não se apercebeu da sua chegada sentiu um ligeiro toque nos rins:
- ora cá está o rapaz da bebida azul-turquesa...
- ora cá estás tu... - este "tu" teve uma ligeira inflexão, quase imperceptível. o sorriso dela começou a transformar-se. o rosto dela contraiu-se a um ponto extremo mas quase sem alterar a sua expressão. algo semelhante à revelação de uma fotografia, num certo sentido.
ele sempre julgara o seu sorriso triste. ela sorria muito, conhecia sempre alguém entre os circulantes. quando ela lhe sorria nascia nele uma espécie de desconforto. a sua timidez e a tristeza dela...
- foi a melhor coisa que me poderias ter dito... muito melhor do que te teres apresentado ou pedido que me apresentasse.
- eu sei. - disse ele, com uma sinceridade que não lhe era nada habitual... e de um modo que nunca mais repetiu ("lhe levaria anos a recuperar" na versão original), ordenou: vamos sair daqui!

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